Carta Final Encontro Nacional Contra a Fome

Os representantes de movimentos sociais, organizações da sociedade civil, dos Conselhos Estaduais de Segurança Alimentar e Nutricional, pesquisadoras e pesquisadores, povos originários e povos e comunidades tradicionais, cidadãs e cidadãos, criaram o documento para o debate político sobre o enfrentamento da fome e insegurança alimentar e nutricional.

 

O Brasil tem hoje 33 milhões de pessoas que passam fome. Esse é um cenário inadmissível para um país conhecido como potência agrícola e por ter saído do mapa da fome das Nações Unidas em 2014.

 

Por isso, atendendo ao chamado da Ação da Cidadania, nós representantes de movimentos sociais, organizações da sociedade civil, dos Conselhos Estaduais de Segurança Alimentar e Nutricional, pesquisadoras e pesquisadores, povos originários e povos e comunidades tradicionais, cidadãs e cidadãos, nos reunimos entre os dias 20 e 23 de junho de 2022, no Rio de Janeiro, para discutir a realidade nacional e propor caminhos para que o pleno exercício do direito à alimentação adequada volte a ser uma realidade no país.

 

No contexto das eleições, este documento é a nossa contribuição para o debate político sobre o enfrentamento da fome e insegurança alimentar e nutricional.

 

O cenário atual no Brasil

• 6 de cada 10 pessoas, ou 125 milhões da nossa população, enfrentam diariamente dificuldades para se alimentarem e 12% dela vive em situação de Insegurança Hídrica.

• Pessoas negras, mulheres, povos originários, povos e comunidades tradicionais são a maioria entre as formas mais severas de insegurança alimentar e nutricional.

• O racismo, o patriarcado, a discriminação e as desigualdades são estruturais na constituição e história do nosso país. • A violência urbana e rural, dirigida aos defensores de direitos, população negra e indígena, atingiu níveis alarmantes.

 

Como chegamos a isso

• Desmonte deliberado de políticas públicas bem-sucedidas no enfrentamento da pobreza, da fome e da insegurança alimentar e nutricional, com o esvaziamento ou extinção dos principais programas, cortes orçamentários e a consequente desestruturação de equipes e instituições.

• Perda de direitos dos trabalhadores e trabalhadoras e drástica redução da renda a partir do aumento do número das pessoas desempregadas, subempregadas, e em trabalho informal, provocando o acelerado empobrecimento da maior parte da população.

• Adoção de uma política de austeridade fiscal que negligenciou a necessidade de políticas e serviços sociais. • Aumento nos níveis de concentração de renda, de terras e propriedades rurais e urbanas no Brasil.

• Alta inflação e elevadas taxas de juros, com maior impacto sobre as famílias mais pobres, devido aos efeitos sobre itens básicos como o dos alimentos, que têm peso considerável no orçamento familiar.

• Exploração predatória da natureza e dos territórios.

• Ameaças e ataques recorrentes aos povos e territórios indígenas e povos e comunidades tradicionais, via atividades ilegais que geram violência e destruição de ecossistemas e desestruturação de modos de vida.

• Gestão descoordenada, negacionista e negligente da pandemia, o que gerou mais de 660 mil mortos, e desestruturação social e econômica do país.

• Extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e desmonte do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan).

 

Quem tem fome, tem pressa! É necessário que medidas emergenciais para o acesso imediato à alimentação de todas as pessoas que dela estão privadas estejam articuladas com transformações estruturais que vençam definitivamente as causas que produzem esta tragédia. Essas medidas e transformações dependem da participação popular na formulação, implementação e controle social de políticas e programas públicos como deve ocorrer em países democráticos.

 

Assim, apresentamos a seguir um conjunto de 10 medidas prioritárias para vencer a fome.

1. Retomada da valorização do salário-mínimo, iniciando-se com um abono emergencial em janeiro de 2023 que reponha o seu poder aquisitivo corroído pela inflação dos alimentos nos últimos anos e revisão da Reforma Trabalhista, com a reposição dos direitos subtraídos dos(as) trabalhadores(as).

2. Substituição do programa de transferência de renda em vigor, retomando as referências de sucesso abandonadas e o fortalecimento do Sistema Nacional de Assistência Social e gerenciamento do CADÚNICO, de forma a incluir a população em condição de extrema pobreza e pobreza, com atualização periódica do valor real do repasse.

3. Revogação do Teto de Gastos, o fim do Orçamento Secreto e a adoção de um modelo de desenvolvimento econômico inclusivo e sustentável que gere milhões de empregos e ocupações de qualidade.

4. Retomada da implementação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) e do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) no seu formato original e amparo legal, articulando a Política Nacional de SAN com a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica.

5. Correção imediata do valor per capita do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) repondo as perdas inflacionárias e garantindo correção periódica; ampliação do conjunto de ações de acesso à alimentação como restaurantes populares, cestas e bancos de alimentos, retomada do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) da agricultura familiar e camponesa e dos Programas 1 Milhão de Cisternas (P1MC) e Uma Terra, Duas Águas (P1+2).

6. Aprovação de uma política nacional de abastecimento que privilegie a ampliação da comercialização local e formação de estoques de segurança de alimentos básicos, com o fortalecimento da Conab.

7. Retomada da Reforma Agrária, revogação da Lei 13.465/17 (grilagem de terras), demarcação e titulação de terras indígenas, implementação da Política Nacional Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas, retomada da política de reconhecimento e titulação de territórios quilombolas e seguir com a suspensão dos despejos das ocupações em áreas urbanas e rurais.

8. Fortalecimento das políticas de fiscalização, monitoramento e combate aos agrotóxicos, entre elas Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos (PARA) e aprovação da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNRA).

9. Adoção de políticas e programas para superação do racismo estrutural. Reparação aos povos tradicionais de matriz africana, ciganos, povos originários e povos e comunidades tradicionais o direito de assim serem reconhecidos.

10. Alteração radical do sistema tributário nacional, avançando no sentido da realização de uma Reforma Tributária Justa, Solidária, Saudável e Sustentável.

 

Reafirmamos a importância da articulação popular e de diferentes grupos e setores para este pacto de mobilização e incidência frente a esta absurda e urgente situação que se encontra o país e milhões de brasileiros e brasileiras.

Aprovado por aclamação na plenária final do Encontro Nacional Contra a Fome, Rio 23/06/2022.

Jornal

A inserção da população negra no mercado de trabalho

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